terça-feira, 29 de setembro de 2009

Quem quiser estudar que estude

O tempo, como sempre, voa. Passei quase três anos na Escola. Tantas coisas aconteceram em tão pouco tempo. Amadureci mais 20 anos. Eu, que já nasci maduro. Fui enrigecido muito cedo pela vida. Admito que a Escola me endureceu um pouco mais. Éramos 150 alunos. Com diretoria e empregados o total de pessoas chegaria a próximo de duzentos. Tínhamos um diretor fascista. Destes que consideram a disciplina como indispensável. Quanto mais rígida melhor. Mas, um hipócrita. Boatos corriam sobre o seu comportamento moral. Diziam que ele desviava dinheiro da Escola. Que era um D. Juan. Não respeitava nem os seus subordinados diretos. E tínhamos um Chefe Geral de Disciplina cômico, para dizer o mínimo. Era um beberrão. Vivia de fogo. Deixava com seus ajudantes a tarefa. Solon e Juca. Até que eram bacanas conosco. A parte dura os monitores cumpriam. O sr. Calvino só bebia. O dr. Paulo dirigia. Certo dia fomos correndo para a frente da Escola. Lá estavam sr. Calvino e dr. Paulo prontos para se engalfinharem. Briga de aluno era atração. De diretores era o máximo porque inédita. O dr. Paulo estava com um braço e uma perna engessados. O sr. Calvino fazia, em altos brados , uma grave acusação ao desafeto: havia seduzido a esposa do vice-diretor.Dr. Paulo dizia que ele era um bêbado sem moral. E partiu para cima do sr. Calvino brandindo a muleta e arrastando a perna engessada. Um braço na tipóia e o outro segurando a muleta. O chefe de disciplina, Inspetor, estava tão embriagado que , ao tentar revidar o ataque deu com a cara na árvore e esborrachou-se no chão. Corremos e ajudâmo-lo a se levantar. Voltamos para os nossos lugares na grama da praça em frente à Escola. Ninguém ousou ocupá-los. Nos sentamos e ficamos a observar. O sr. Calvino atacou e conseguiu acertar um soco no dr. Paulo. Ele procurou se apoiar na muleta mas, não deu. Caiu esparramado à nossa frente. Enquanto isto o sr. Calvino punha para fora os podres do dr.Paulo. Falou horrores. Ficamos perplexos! Era muito mais do que supúnhamos! Os alunos até babavam de satisfação. O dr. Paulo estava acabado. Não teria mais ambiente para ficar . O tirano se ia. Liberdade!
Realmente, logo que chegou o atendimento ao seu pedido de transferência ele partiu. Antes foi programada uma festa de despedida. Eu havia sido eleito o orador oficial da Escola. Não poderia me furtar ao pedido. Teria que discursar e dizer o que não sentia: lamentos pela partida do verdugo. Como era meu dever e teríamos uma festa farta de guloseimas , no momento acertado levantei-me e fiz a despedida. Ele chorou de emoçao. Abraçou-me e disse que não sabia que eu o tinha em tão alta conta. Sentí-me mal. Não é fácil ser hipócrita, por melhor que seja a intenção. Eu estava feliz com a partida dele! E disse que lamentava. Estava detestando aquela de ser orador . Tentei depois passar para outro. Ninguémm aceitou. Fiquei sendo.
Demorou para vir outro diretor. Quando veio, eu não o conheci. Já tinha saido da escola. Levei as recordações boas do córrego onde nadávamos escondidos da diretoria. Todos pelados. As moças vinham , ficavam olhando e a gente dizia: quem não quer ver estrela que não olhe para o céu.
Quem disse que não queriam?Não arredavam o pé. Transformaram o grupo escolar num clube de danças à noite. Lá íamos também namorar. Tive, em três anos , umas cinco namoradas. Não tinha muito tempo prá elas. Duas moravam em Ouro Fino. Uma , Cely, havia sido Miss. Ouro Fino. A outra, Marina , era filha de um plantador de café. O melhor café do Brasil, o do sul de Minas. Talvez porque emendasse com o de S.Paulo , onde o investimento era maior. Mas, o sul de Minas tinha um terreno sílico-argiloso que os cafezais adoravam. Cresciam belos e davam colheitas recordes. Eram muito bem cuidados. Os fazendeiros eram , em sua maioria, imigrantes alemães, franceses, polacos, italianos. Isto , junto com brasileiros, deu para formar uma população muito bonita. Víamos morenas de olhos azuis. Louras de olhos negros. Cabelos lisos em pele morena. Crespos em pele branca. Cely tinha cabelos negros, olhos verdes, 1, 80 ms. , um corpo de sereia. Marina era loura, olhos negros, mas não era muito alta. Tinha 1, 70 ms. e era considerda baixa para os padrões locais.Eu namorava com uma e com outra. Aqueles namoros antigos, quando, em público , nem se pegava na mão para a moça não ficar mal falada. No escurinho pintava uns beijos na boca e uns amassos. Eu me dava bem porque não levava a sério namoro nenhum. Era brincadeira e eu sabia disto. Tinha outros planos para o meu futuro e elas sabiam também. Mas, até hoje, lembro-me daquelas duas. Eram tão lindas! E gostavam de um cara tão diferentes delas! E gostavam mesmo. A iniciativa era sempre delas. A disciplina da Escola não me permitia mais.
Formei -me no curso de Iniciação Agrícola e Veterinária. Iria para o curso de Mestria. Mas veio a gripe asiática. Lá fui eu de volta para a enfermaria. Lá estava o enfermeiro homo. O professor Davini me socorreu mas, não ficou até a doença me deixar. Foi para S. Paulo fazer um curso obrigatório. Com o enfermeiro ficaram meus remédios e as recomendações médicas. Estava quase me curando da Asiática quando o ano letivo terminou. Fiz as últimas provas na Enfermaria mesmo e passei com mérito. Na verdade , na terceira bimestral eu já tinha nota para passar. Mas, a verba acabou. Quando acabava , os alunos tinham que deixar a Escola. Só voltaríamos no próximo ano letivo. Eu ardia em febre. Ainda assim, depois de passar no w.c. e deixar cair no vaso o meu dinheiro da passagem , molhando-o todo, fui para o caminhão que ia nos levar até à estação rodoviária em Ouro Fino. Estava aborrecido pela febre e pelo dinheiro molhado. Um diretor pensou que eu fazia corpo mole para não ir. Isto acontecia com os alunos pobres.Eu sonhei com este dia! Começou a me dizer desaforos. Fui engolindo até não mais poder. Virei-me para ele e mandei-o a puta que o pariu. Ele quis reagir. Impediram-no. Afinal, além de aluno eu era menor. Fui tremendo de febre. Quando cheguei a Belo Horizonte , não tendo outro lugar, embora a minha mãe estivesse em Beagá, fui para a casa do dentista. Este ficou sem saber como impedir. Sabia que eu voltaria para a Escola em março. Era quase dezembro. Deixou que eu ficasse. Se não, voltaria a dormir na rua. Quinze dias antes de voltar chega um telegrama da Escola. Comunicavam-me que tinha sido expulso. Fiz as minhas malas para Barbacena. Lá tinha uma escola igual.Depois eu conto.

Nenhum comentário:

Postar um comentário