quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Os meus vinte anos

Quando voltava de Inconfidentes, triste pela doença e pelo atrito que eu tive com o diretor interino que eu sabia que ia ter consequências, via-me de volta à casa dos meus horrores. Não tinha para onde ir. E eu já me acostumara aos maus tratos. Mas, ficara, pela primeira vez , três anos distante. Esperimentara uma nova vida. Apesar de tudo, na Escola eu tinha cama com lençol, travesseiro , cobertor (2) e que eram substituidos por outros limpos. Tinha uma boa comida com sobremesa. Comia em pratos iguais aos de todos os colegas. Tudo era tão igual que até cansava. Não percebi privilégios. Nunca apanhei na escola. Se levei pancada, dei também. E foram de colegas. Era respeitado. Enfim, conheci uma família que eu nunca tive. Se pudesse, eu só voltaria para casa depois de concluido o curso. Para a minha casa.A Escola tinha o seus problemas mas era, indubitavelmente, o melhor tratamento que eu recebera na minha vida até então.
Fui , no trem a óleo que se movia rapidamente, lembrando das paradas de 7 de setembro. Eu era o Porta- Bandeira. Era o mais alto da Escola. A bandeira do Brasil , nas minhas mãos , se destacava de todos. E colocaram-me à frente de todos que iam desfilar. Eu teria que marchar direito, não de medo de ir preso pro quartel, porque todos , até o Tiro de Guerra, seguiriam a minha marcação. E eu levei isto muito à sério. Resultado: muitos aplausos do povo de Ouro Fino que se aglomerara no percurso para nos ver passar. Como escolheram a mim para abrir, a Escola vinha logo depois de mim. Os aplausos pareciam uma sonata de Beethoven aos meus ouvidos. O menino que valia menos que o cão da casa agora recebia os aplausos gerais. Era destaque quem sempre foi inferior. As moças sorriam e airavam beijos. Quase tropecei nas pernas. O coração pulava de alegria. Findo o desfile, Marina se antecipou à Cely e fomos os dois a namorar à moda antiga. Não ousei tocar a sua mão em público. Nem ela permitiu. Mas, lembro-me, estava linda! Os colegas da fanfarra pasaram tocando suas baterias e me olhando com inveja e espanto. Eu com o uniforme de gala e de brim, e ela super-elegante. Fiquei ainda mais orgulhoso de mim mesmo.
E o trem seguia o seu curso. Eu sabia que era a minha última viagem de volta da Escola. Não chorei porque nunca mais choraria. Havia esgotado o meu estoque de lágrimas quando criança.Virei homem muito cedo e homem não chora.
Preparava-me para ir para Barbacena. Increvi-me, pelo correio , para as provas de admissão na Escola Agrotécnica . Seriam provas eliminatórias, ou seja, o mata-mata escolar. Se perdesse uma estaria fora. As matérias eram: Matemática, Português, Geografia em História, Agricultura, Veterinária, Conhecimentos Gerais, Ciências. Estas duas últimas não reprovavam mas, serviam para a média geral. Teríamos que alcançar nota 7 para classificação. Eu , depois de ser aprovado em todas, não passei de 6,7 no geral. Estava já com um contrato preparado para jogar basquete no Olimpic. Além do material completo, ainda teria uma ajuda de custo.Os dirigentes do clube acompanharam os meus resutados e queriam, receiosos de que o time rival me pegasse, que eu assinasse o contrato o quanto antes. Eu pedi para esperar o resultado final. Quando veio, ninguém acreditou. Recomendaram que eu fosse aos examinadores. Fui. E eles me disseram que não poderiam alterar a nota que já estava em poder da diretoria. Mas, eles dissram: como isto aconteceu? Suas notas foram tão boas. Chegamos a comentar , entre os professores sobre o seu resultado. Pedí-lhes um ponto mais. Seria suficiente para cobrir os 0,3 que me faltaram. Não aceitaram . Eu estava reprovado. E agora? Vou ter que voltar para a casa do dentista? Sim, não havia outra alternativa. Talvez não me aceitem. Vão ter que aceitar. Só tinha 17 anos. Era menor. Eles eram responsáveis por mim. Eu tive medo de sair. A lembrança dos tempos de morador de rua me apavoravam A única pessoa que saudou a minha volta foi a Mãe Quita. Eu escrevia para ela, mandando a carta para a casa do visinho, porque eu não tinha para quem escrever. A minha mãe estava de volta, já haviam uns dois anos, mas ela era uma incógnita para mim. Esqueceu-me na casa de estranhos. Por que voltava depois de dez anos de ausência? O que ela queria?
Eu não entendia. Porém, readmitido no meu antigo quarto, nas mesmas condições que vivia, ainda lá estava o Geraldo, dormindo no mesmo colchão de palha. Mas, eu estava mudado. Procurei trabalho e , por atendimento ao pedido feito pela Mãe Quita,fui readmitido na fábrica de tecidos, desta vez, como contabilista. Nada sabia sobre isto. Peguei uns livros sobre esta profissão. Estudei-os avidamente. Dependia disto a minha coninuidade no emprego. Havia sido avisado que seria por três meses em substituição a um funcionário que adoeceu.Quando este voltasse eu sairia. Havia muito trabalho contábil para ser atualizado. Mergulhei no trabalho. Só sai depois de quase três anos. Fui convidado a trabalhar na Singer.A minha mãe já me pesava muito no orçamento. Na fábrica havia um empório.O gerente, meu amigo e visinho, chamou-me e alertou-me que a minha mãe estava comprando produtos caros. Ele estava com pena pelo que ia me cobrar. Eu não podia deixar a minha mãe sem comer. Mas, ela abusava.Pegava de tudo para ela e mimha irmã. Eu não via como negar. E o pessoal da casa em que eu morava pegava também na minha conta. No fim do mês, quase não tinha salário. E eu ganhava cerca de dois salários mínimos que não eram os de hoje. Valiam muito mais. Fiquei chateado com a exploração. Aceitei o emprego da Singer. Iam me pagar 3 salários mínimos para a função de contador prático.E lá não tinha empório. Continuei ajudando-as mais comedidamente. Em casa também. Mas, a minha mãe morava em lugares horríveis e mal afamados. Eu morria de vergonha por causa disto. Estava chegando aos meus vinte anos. A Renascença me tratava com carinho.Sabiam da minha história. Depois conto mais.

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