segunda-feira, 28 de setembro de 2009

A Escola

Era um prédio antigo, bem conservado. Haviam salas de aula, escritório, sala de jogos, pátio , refeitório, campos de basquete e volei, futebol. Havia também o setor dos banheiros coletivos com seus w.c.(s). Tudo muito limpo. Nos davam três refeições: a matinal, o almoço e o jantar. Havia a lavanderia onde deixávamos nossa roupa para lavar. Eu diria que, para um estudante comum, nada deixava a desejar. Os professores eram de ótima qualidade. Todos eles. Lecionavam Matemática, Português, Geografia, História, Agronomia, Veterinária, Canto Orfeônico, Francês e Educação Física. Eram rígidos , a meu ver demais, com a disciplina. Éramos tratados como se fôssemos margináis. Ou soldados. Havia até o toque de despertar. Reunir no pátio para o refeitório. Chamada para ir às aulas práticas ou às teóricas.Toque para a fila do almoço. À tarde toques para tudo outra vez. Haviam escalas. Enquanto umas turmas iam para o campo outras iam para as salas de aula. Não me queixo da disciplina férrea. Lamento mais a discriminação que havia. Os filhos dos fazendeiros ,naturalmente, tinham um tratamento diferenciado, evidentemente para muito melhor. Os demais não tinham regalias de nenhuma espécie.Não era uma prisão. Quem quisesse poderia ir embora. Como a maioria absoluta era de menores, estes teriam que avisar primeiro para que os pais fossem comunicados da decisão dos filhos. Mas, depois de submetermos-nos a um verdadeiro vestibular, desbancarmos centenas ou milhares de outros candidatos, não tinha sentido entregarmos a rapadura, por mais dura que fosse. Desistir, só se mortos. Então aguentávamos o lado negativo da escola. Como em todas do tipo, quando chega a noite muita coisa ruim acontece. Comigo não se faziam de bestas, mas os mais fracos, físicamente, os covardes se serviam. Hoje eu vejo esta campanha meritória contra a pedofilia. Gostaria de saber o que acontece nos reformatórios e colégios internos de hoje. Pouco se fala. No meu tempo, crianças indefesas eram pasto de chacais pedófilos. Eu, na escola, estava no meio, ou seja, tinha já 15 anos de idade.E tinha também já uma dura esperiência de vida. Não tinha medo de nada ou ninguém. A morte não me assustava. Arrisquei-a algumas vezes, como já contei. Mas lembro-me , como num pesadêlo, que ouvi gritos na madrugada de crianças sendo molestadas sexualmente. Pensei em denunciar. Para quem? Percebi que os diretores já sabiam. Fingiam que não. Deixavam aqueles estudantes maiores se divertirem. Já ajudavam, sem nada cobrar, a manter, pela violência, a disciplina na escola. Era como um céu de brigadeiro. Se algum saisse dos trilhos, os monitores se encarregavam de fazer tudo voltar ao normal. Os outros grandes, não monitores, não se intrometiam e não eram incomodados. Imperava então, a lei do mais forte. Mas, havia o lado bom. Jogávamos basquete e volei entre nós ou contra visitantes. Futebol também. Ainda havia, em Inconfidentes um galpão de arroz que, quando vazio, servia de local para os forrós. Então, a sanfona tocava, o bumbo retumbava, o padeiro fazia a marcação, o cavaquinho tocava e marcava e o relabucho ia até amanhecer no domingo.. Neste dia a escola permitia que chegássemos às 10 horas. Se não, o portão era fechado e os atrasados dormiriam na rua e, no dia seguinte se explicariam ao diretor. Podia acabar em expulsão. O que eu fazia? Voltava , como todos os outros, às dez. Respondia à chamada, ia para o dormitório, esperava os colegas dormirem e , pulando uma janela do segundo andar do prédio, voltava para a dança. Sempre adorei a dança. Custa barato. Você pode dançar em qualquer lugar. E a música lhe fará sonhar. Sempre dancei bem. É um dom. Há os que já nascem sabendo.
Quanto ao futebol, organizei o meu próprio time. Busquei os rejeitados. Aqueles que não tinham vaga em time nenhum. Os colegas não entenderam. Ora , eu poderia estar no time principal. Não porque era um craque, mas a minha altura ajudava muito na defesa e no ataque, para fazer ou impedir que o adversário fizesse o decisivo gol. Pelo menos os de cabeça. Joguei pela minha classe no campeonato interno. No externo, onde valia entrar os times dos moradores de Inconfidentes, eu participei com o meu time. O time dos rejeitados. Começamos apanhando de goleada. Foram diminuindo. Começamos a empatar. A ganhar. Já não riam mais das nossas trapalhadas. Nos respeitavam . Ficamos em quarto lugar em doze times. No segundo campeonato chegamos a disputar o título. Neste dia caiu uma violenta tempestade de chuva e vento. O jogo não parou. Futebol era prá homem. Até a torcida não arredou o pe´. A peleja virou primeiro uma pelada. Depois futebol aquático. Futebol a vela. O vento zunia. Depois uma coisa esquisita na lama. Quando o juiz apitou o final, ninguém sabia o resultado. Perguntamos e perguntamos. Até que uma senhora, bêbada e coberta de lama, jurou que era 8x7. Para quem???
Para o nosso adversário que foi declarado campeão. Nunca me conformei. Mais de cinquenta anos depois ainda não me conformei. Fizemos mais gols. Eles fizeram menos. Espero ir ainda a Inconfidentes para saber se alguém ainda vivo se lembra daquele jogo. Fomos confiar numa bebum!
Noutra vez, fiquei sabendo que algumas prostitutas de Ouro Fino estavam a se banhar no córrego de Inconfidentes. Era domingo. Tomara o meu café da manhã e preparava-me para ir à missa quando soube. Corri para lá. Éramos proibidos de fazê-lo. Afinal, eram prostitutas do baixo meretrício. Para mim umas deusas. Os alunos só tinham bezerras e mulas paa se aliviarem. Fora isto, só a masturbação.Mulheres o lugar tinha. Pais bravos também . Maridos assassinos idem. E agora aparecem as prostitutas. Dariam de graça? Só procurando saber. Eu já estava no meio delas. Fui chegando e, sem dar bola para os gigolôs que lá também estavam, e que riam do aluno taradão, me agarrei às mulheres. Talvez porque se identificavam comigo, também eu era um discriminado,sempre tive sorte com prostitutas. Não me cobravam o mixê. E haviam as que até punham algum trocado no meu bolso. Naquela tarde eu as vi melhor ainda que no passado em Belô. Eu estava, desesperadamente, matando cachorro a grito. E eu esqueci gonorréias, cancros, sífilis, que eu sabia que elas poderiam me transmitir e fartei-me. Fiz amor com várias. Tirei a boca da miséria e, incrível, não adoeci.
Portanto, a escola não foi só sofrimento. Tenho recordações agradáveis da Escola Agrícola.
Mas, nem tudo são flores. Os espinhos grandões viriam . Depois eu conto.

Nenhum comentário:

Postar um comentário