domingo, 27 de setembro de 2009

Escola Agrícola

Um amigo de infância passava as férias na casa de seu pai. Fui ao seu encontro . Ele me recebeu com alegria e me falou da escola onde estudava. Era um entusiasmado. Dizia que lá tudo era ótimo. Boa comida, bom ensino, eu ganharia material escolar e uniforme completo. Depois do curso básico de agronomia e veterinária, seria encaminhado para a Escola Agrotécnica. Depois viria o curso superior e eu me formaria como veterinário ou engenheiro agrônomo. Para mim, aquilo tudo era um sonho. Tinha um dinheirinho guardado, fruto do meu trabalho, e sabia que seria completado . Não me achavam um estorvo?Não estavam a anos reclamando pela minha incômoda presença? Teriam a oportunidade de se livrarem de mim. Fui para Inconfidentes, na época um distrito de Ouro Fino, decidido a passar no exame de seleção que haveria e que contaria com candidatos do Brasil inteiro. Foram exames escritos e psicotécnicos. Provei que poderia ser um futuro grande funcionário do campo. Depois de fazer uma viagem inédita, com baldeações em Itajubá, para seguir viagem no dia seguinte, estava agora práticamente como aluno da Escola Agrícola Visconde de Mauá.
Inconfidentes era um lugar simpático. Poucas casas e uma gente que via os alunos com bons olhos. A maioria ganhava a vida como funcionária. Os professores moravam em Ouro Fino uma cidade cosmopolita, não muito grande, na época, mas de um povo instruido e interessado na cultura geral. A Escola Agrícola ficava a 8 quilômetros de distância. A estrada era ruim, logo, para se chegar lá levava-se , no mínimo, meia hora. Hoje são duas cidades progressitas. Falo de 54 anos atrás. Lá encontrei com o meu amigo e comigo levei mais dois. O primeiro já estava adiantado dois anos. Era do cuso de mestria. Eu era do curso iniciante. Existia uma separação entre os alunos, provocada por eles mesmos. Em qualquer situação parecida sempre há o preconceito de superioridade. Mas havia também uma disciplina draconiana. Para sustentá-la haviam os chefes de disciplina e os monitores. Estes últimos, nunca soube o que ganhavam em monitorar os colegas usando a força física.Logo notei que tinha que voltar a ser o "brigão da Renascença." Não desejava ser monitor. Odiava a repressão. Fui grande vítima. Então, com meus quase 1,90 ms. de altura, fiquei entre os dois grupos. O que mandava e o que obedecia. Não desejei ser o protetor de ninguém. Mas, não aceitaria ser o lacaio de quem quer que fosse. Havia um negro forte, de braços musculosos e corpo idem, que se impunha pela valentia e era monitor. Certo dia, estando em folga, alguns alunos se reuniram no pátio superior. Haviam combinado algo em que eu estaria envolvido. Eu não sabia de nada. Chamaram-me lá e lá eu fui. Quando cheguei já estava formada a roda. No meio, José da Conceição, o negro. Perguntou-me se topava um luta sem baixaria. Eu respondi que não queria ser expulso da escola. Estava gostando e sonhava em ser alguém. Ele disse que era só uma brincadeira e que os chefes chegariam logo para ver. A turma começou a insuflar. Viram , na minha resposta, medo. Ora, medo era um sentimento que tinha morrido em mim. Quando eu vi os chefes e eles sorriam zombeteiramente, compreendi que não tinha saida. Para pegar o negro de surpresa pulei em cima dele. Rolamos e não socamos. O trato era:sem socos. Ficamos naquela de cada um por si e Deus por todos. A turma gritava querendo ver sangue. E nós dois rolamos pela grama tentando um pegar o outro num golpe fatal. Desvencilhei-me dele e , ágil, peguei-o pelo pescoço. Dei-lhe uma"gravata" e, de repente, vieram à minha lembrança as surras que eu levei na casa do dentista. Então este também quer me bater? Vou lhe mostrar! E fui apertando o seu pescoço com os meus braços. Ele se debatia tentando se livrar. Fez o que pode. Finalmente vi o corpo dele desfalecer. Percebi que outras pessoas correram para ajudá-lo. Pensei que queriam mudar o rumo da luta. Não permiti apertando mais e mais. Ouvi então gritos no meu ouvido: largue-o! Largue-o já! Você está matando ele!
Quando o larguei ele ficou desmaiado no chão. Fizeram massagens para reanimá-lo. Agora , estava presente até o diretor . Havia um alarido ensurdecedor. Eu não entendia nada. Estava como em transe hipnótico. Não tive pena do José da Conceição nem ódio. Eu desforrei nele anos de crueldade que eu vivi. Não o matei. Até hoje não sei porque. Ele era muito forte. Deve ser isto.Anos depois, em S. Paulo, seria ele um campeão de box. Com ele não mais briguei. Ele passou a me respeitar muito. Como era monitor, não dava para ser amigo. Inimigos não fomos. Havia tambem dois outros monitores. Eram jovens fortes, espadaudos. Eles impunham a disciplinaNunca mexeram comigo. Lembro-me do "Tinteiro" e do "Tarzan". Não foi o meu último conflito. Troquei socos com outros colegas. Sempre evitava machucá-los muito. Eu não provocava mas, como eu não me aliei a nehum grupo fiquei sem retaguarda. Era amigo de todos e de ninguém ao mesmo tempo. No começo, a vida na escola foi duríssima. A maioria dos colegas eram fazendeiros ou camponeses. Estavam acostumados à lida do campo. Eu vim da capital.É verdade que eu pegava em casa serviço duro. Que capinava jardim e horta. Porém, a faina da lavoura é bem diferente. Logo as minhas mãos ficaram cobertas de calos. Estes se abriam e viravam feridas. Quando chegou o frio, meu Deus! Sem agasalho ou só com o que a escola dava e que era insuficiente, vivi um frio de abaixo de zero. Aquela região é uma das mais frias do Brasil. Maria da Fé, cidade tão citada durante o inverno, onde se chega a 6 gráus negativos, fica bem próxima. Lembro-me que os meus lábios racharam , as minhas mãos também. O meu queixo tremia e chegava a doer quando os dentes de cima batiam com os de baixo.Escrevi para casa. Pedi a Mãe Quita que me mandasse agasalho. Podia ser velho, desde que fosse quente. Ela nem sequer respondeu à minha carta. Ia à agência e perguntava: chegou? A resposta: não. Ouvi-a muitas vezes. E o frio parecia me congelar. Peguei uma pneumonia. Fui parar na enfermaria. O enfermeiro, um homossexual, não gostava de mim. Os alunos eram muito "amigos" dele. Davam-lhe o que ele queria. Eu tinha asco. Não por preconceito. Ele tinha uma figura abominável. Muito limpo, perfumado até. Mas era balofo, com aquelas banhas pinduras sobre a correia. Aquela bunda grande e flácida. Não sei como os colegas se satisfaziam com aquela pessoa. E ele não se oferecia. Ficava esperando que fôssemos até ele. Pelo o prazer ou pela dor. Diziam que ele era generoso quando se satisfazia. Dava até presentes bonitos. Nada disto me atraiu. E ele me desejava. Eu era muito magro. Típico de quem cresce demais sem apoio familiar ou do estado.Mas, do alto do meus 1,90 ms. eu tinha um certo charme. Acho que tenho ainda. Então, mulheres de várias idades, menos ou mais, sempre se interessaram por mim. As bichas então, não me davam sossego. Para as mulheres tudo. Para as bichas, distância. Bicha não detesta mulher? Eu não detesto mas ,não gosto de bicha. Questão de gosto. Não é preconceito. O enfemeiro quando me viu chegando deve ter pensado: você veio, gostosão. Mas, se não dançar conforme a música vai penar.
E eu penei. Não tinha remédios. "A verba acabou". A bicha não se mexeu para providenciar. As tosses aumentando. A fraqueza também. Foi quando a escola admitu o professor Renato Davini. Tinha sido padre. Deixou a batina. virou professor. Orientador. Era uma pessoa maravilhosa. Resolveu ser nosso amigo e protetor. Tratava todos os alunos como se filhos fossem. Viu-me "entregue às baratas" e decidiu me apoiar. Providenciou medicamentos e, ele mesmo, fazia a minha alimentação. Lembro-me até hoje das gemadas salvadoras. Foi a primeira pessoa que me tratou com humanidade. Em pouco tempo, voltei às minhas atividades plenamente restabelecido.A luta continuava por um futuro melhor. Por mais difícil que fosse, eu estava determinado em resistir em prol de um futuro melhor. Depois eu conto mais.

Nenhum comentário:

Postar um comentário