quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Uma nova tragédia

O pasteleiro tinha pressa e saiu me arrastando , puxando pelas mãos. Assustado , debati-me. Já era um pequeno veterano sobre os perigos da rua. A minha intuição me avisava : não obedeça! O homem ,enfurecido, me agarrou o braço com força. Vi que ele me levava para um matagal. Gritei e esperniei.Senti que, se ali entrasse com ele, além do sofrimento, jamais sairia. Estava tudo imerso na escuridão. Não havia postes de iluminaçaõ. Apesar da sujeira, podia-se notar que eu era um menino bonito, com a pele muito branca, os cabelos louros, os olhos que pareciam mudar de cor. O ideal para pedófilos. Certamente, se cedesse, além de estrupado seria morto.Não havia testemunhas. Tudo absolutamente deserto. O pavor tomou conta de mim. Debati-me e chorava convulsivamente. Os meus gritos seriam ouvidos?Se foram, não apareceu ninguém. De repente, ele mudou de idéia. Será que eu daria um bom dinheiro? Era um maltrapilho. Não seria um desaparecido? A minha aparência não era de um pedinte. Resolveu investigar. Quando chegou à pastelaria para fazer o acerto, havia um rádio ligado. Nele, a minha mãe chorava e implorava pela minha devolução a quem me tivesse encontrado. Deu o endereço de um quarto de despejo, que nos servia de moradia, na rua Tefé, bairro Renascença.Esta rua era de moradores de classe média. Não era vila nem favela. Ele estava certo? Poderia tirar vantagem do meu encontro? Pegou-me pelo braço e foi , antes mesmo de acertar os pastéis para evitar questionamentos, para o endereço da minha mãe. Descemos do bonde e subíamos a rua Tefé quando vieram ao nosso encontro um senhor e um jovem. Também ouviram os apelos, me conheciam e, por caridade, desciam para ajudar na procura. A sorte lhes ajudou . Eu subia ao encontro deles. Não vi,mas, imagino que deram uma gorjeta ao pasteleiro. Ele cobraria.
Levaram-me então para a casa deles e lá me deixaram para que eu fosse alimentado e tomasse banho. Arranjaram até roupas novas. Fazia muito tempo que eu não era tratado com tanto carinho.Foram então até à Emissora onde estava a minha mãe para avisá-la que eu estava a salvo,na casa deles. Quando ela chegou, alimentado e limpo, eu dormia pesadamente no chão do consultório- o homem era dentista- e eles pediramm à minha mãe que me deixasse e buscasse no dia seguinte. Foi o que fez. No dia seguinte, também de roupa limpa , ela e minha irmã, depois de aceitarem a refeição que ofereceram, sentou-se no sofá da sala e chorou. Perguntaram-lhe o que acontecia, já que , encontrado, o momento era de alegria. Ela então contou a sua história que comoveu a todos . Eu, num canto da sala ouvindo. Foi quando ela , em lágrimas, contou que o irmão, morador do Rio de Janeiro, Chefe de Trem, havia lhe arranjado um emprego, com salário suficiente para cuidar dos filhos. Mas, então , alegria! Porém , tinha que se afastar dos filhos. Não a aceitariam se soubessem que era mãe solteira de dois. O argumento sensibilizou-os. Perguntaram :o que eles poderiam fazer?
- Seria possível, que ficassem com o Paulo por uma semana enquanto me ajeito no Rio. Vou tentar que a minha irmã queira ficar com ele e a irmã. De qualquer maneira, em uma semana eu volto para buscá-lo.
-Só uma semana?
- No máximo.
Voltou dez anos depois. Os meus receptores se sentiram enganados. Era um 171? Tinham sido feitos de trouxas? Largou o abacaxi e se mandou? Não vamos descascar!
Começou aí um tempo negro de retaliação covarde sobre uma criança indefesa. O ódio que passaram a ter da minha mãe transferiram para mim, o mais inocente de todos. No começo não foi ruim. Até que fui bem tratado. Achavam que a minha mãe tivera dificuldades naturais mas, como me amava,não me abandonaria como se fosse um traste qualquer. Lembro-me que comia do melhor, passeava, era tratado como nunca havia sido. Isto provocou ciumes nos filhos e outros moradores mais antigos da casa.Formaram um grupo de oposição a minha efetivação como membro da família. Cogitou-se no início a adoção. A oposição foi tenaz. Era um menino de rua. Como poderia ser tratado como filho? E eles, apesar de católicos devotos, não se propuseram a este tipo de solidariedade e fraternidade. Ficou decidido que, se a mãe não viesse buscar, encaminhariam-me a um orfanato ou coisa do gênero. Quem tinha obrigação era o estado. Não eles. A minha mãe deixou claro que não reapareceria. Iam passar alguns anos até que desse notícia.Quando deu, foi para dizer que, apesar da saudade, era impossível me buscar. Enquanto isto, como eu era um garoto extranho, que brincava com crianças invisíveis, conversava e ria com elas, concluiram que eu era um deficiente mental. Fui levado ao Instituto Pestalozzi. Fizeram os testes e concluiram:além de normal, é muito inteligente. Foram então ao Instituto Alfredo Pinto. e ao João Pinheiro. Peguntaram se era uma criança infratora. Não era? Então não poderiam ficar comigo. As procuras findaram mas, o ódio cresceu. Contra mim. Seis anos de idade! Como poderia ser culpado de alguma coisa? Se investigassem mais, descobririam que eu tinha uma avó que vivia sozinha, numa casa de vários cômodos.E uma tia que tinha várias casas alugadas. Um avô paterno que era proprietário de casa e galpão de trabalhos artezanais. A casa dele ainda existe. Lá mora uma prima, em plena praça Hugo Werneck. É ,hoje, a mais valorizada de Belo Horizonte.Refiro-me à praça. Já lhe ofereceram muito dinheiro. Não precisa. Prefere a casa.Ao invez de procurar, preferiram maltratar com crueldade indescritível
uma criança indefesa.Começa uma nova e dura fase desta minha saga. Continuarei narrando. Por mais que me custe ao coraçaõ.

Um comentário:

  1. Qualquer experiência que nos tortura a alma,traz a oportunidade de crescermos
    com ela.Vá en frente meu amigo.
    abraços fraternos, Sonia

    ResponderExcluir