sexta-feira, 2 de outubro de 2009

As barracas da Igreja

Quem morou na Renascença entre 1955 a 1962, lembra, com certeza, das barracas da igreja Sto. Afonso. Primeiro foram as "Baianas" e "Holandezas". Na primeira , uma baiana abria as suas saias e em baixo, um palco com regional e cantores amadores, às vezes até profissionais,mesas e cadeiras onde as pessoas se sentavam para colaborar com as obras sociais da igreja consumindo salgados, doces, refrigerantes e bebidas alcoólicas. Na outra, disputando com a rival, havia um moinho cujas hélices giravam sem parar. Sob este também um palco , mesas, caldeiras, enfim tudo o que a outra tinha.Era uma disputa acirrada. Eu, matreiro, colaborava com as duas. Coloquei-me como neutro.Eu estava entre os que cantavam . Sempre adorei cantar. Música bonita de qualquer origem. Só tem que ser bonita. As pessoas que ficavam fora das barracas faziam o "footing". Era a paquera. Eu preferia ser fiel às minhas amigas. Ser amigo era muito mais interessante. Não me atava a ninguém . E me ligava a todas. Conheci neste tempo Clara Nunes.Também era uma grande amiga. Linda. Doce. Meiga. Gentil. Tinha todas as qualidades que um homem procura. Mas, ela tinha outros planos. Lembro-me que namorava o Tonho, goleiro do Cruzeiro, muito famoso na época. Era bonitão, alto, forte.E muito bem educado. Não se incomodava com a amizade que eu e a Clara sentíamos um pelo outro. Eu tinha ciumes. Mas, nada poderia exigir. Eu mesmo coloquei estas condições para todas. Ela era muito admirada e eu também. Não sei como o Tonho consentia na nossa amizade. Talvez porque tivesse outros planos de carreira também. E eu e Clara mexíamos com os comentários de todos os conhecidos e desconhecidos também. Passeávamos de mãos dadas .Sentávamos na escada da igreja, quando sem ofício, e ali ficávamos horas a conversar. Havia mais entre nós. Mas, não deixávamos transparecer ou é isto que pensávamos. Mas, a nossa amizade durou até o início da carreira dela como cantora. Ela foi envolvida e não mais a vi pessoalmente. Ouvia-a pelo rádio, mais tarde pela televisão. Certa vez, veio a BH com o Paulo Gracindo. Eu estava trabalhando muito. Quando o espetáculo começava eu estava largando o serviço. Cansado , ia para casa. Eu queria vê-la. A faina não deixava. Ficaram uma semana no Teatro Francisco Nunes. O melhor de BH então. Foram embora e eu não a vi. Na verdade, quando ela se foi para a carreira, sentí-me terrivelmente abandonado. Dividia a Clara com o Tonho, mas, a carreira era muito mais forte do que eu. Ainda bem. Senão, o Brasil teria perdido uma das suas maiores cantoras.Soube depois, pelo Dirceu, que era um apaixonado fan dela desde os nossos tempos de Renascença, que foi procurá-la no Hotel e foi muito bem recebido, que a primeira pergunta que fez foi: Dirceu, por onde anda o Paulo?
E depois pediu a ele para dizer-me que não havia me esquecido e que lamentava eu não ter ido vê-la no Teatro. Fiquei decepcionado comigo mesmo. Nunca me perdoei por ter feito isto, especialmente depois que ela morreu. O Jadir, nosso maestro no Coral da Igreja Santo Afonso, muito amigo até hoje, sempre em contato com ela por ser músico profissional, sempre me trazia notícias dela e suas recomendações. Foi um duro golpe para mim a sua morte. Senti como se fosse alguém de minha família.Até hoje sinto.
Quando ela segiu para a sua carreira, resolvi namorar mesmo. Tive duas Lenitas. A primeira de Juiz de Fora e a segunda de Serro.Namorei outras, mas, estas ficaram na memória. Eu não fui capaz de amá-las com a mesma intensidade que me amaram.Assustei-me com tanto amor. Era um meninão de 19 anos.O casamento me assustava. Mesmo porque eu era arrimo de família.Já estava cuidando da mãe e da irmã. Diziam-me que a minha mãe, que me abandonara com cinco anos na casa de extranhos, não merecia tamanho esforço. Mas, a idéia de vê-las mendigando ou minha irmã prostituindo para não morrer de fome me apavorava.E a minha mãe não fazia cerimônia. Ia atrás de mim sempre que precisava. Ficava pelas esquinas me esperando. Não descançava enquanto eu não lhe desse o que queria:o meu dinheiro., E eu dava. Dava quase tudo que me sobrava. Ela nunca mais passou fome nem dormiu ao relento. Foi duríssima comigo. Parecia me odiar. Talvez julgasse que eu era seu inimigo. Não acreditava que, depois do que me fez, eu pudesse lhe querer bem. Eu nunca a odiei. Nem quando eu sofria na mão dos meus carrascos. Ela me fez passar também por maus momentos.Considero-os piores por terem sido protagonizados por minha própria mãe. Ela ficou neurótica com o sofrimento. Não conseguia amar a mais ninguém. Julgava que todos a odiavam da mesma forma. Especialmente eu. Não era verdade. Nunca a amei. Nunca a odiei.Por mais odiosa que fosse. Eu tinha muita pena dela.Mas, esta é uma outra história. Nem sei se vale apena contar. É muito doloroso para mim.

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