sábado, 3 de outubro de 2009

Mudança de rumo

Fui visitar a minha mãe porque ela me falou que havia se mudado. Mudou sim: do muito ruim para o pior ainda. Deus atuou para evitar que a minha irmã, uma moça bonita, ainda não estivesse no meretrício. Os visinhos de minha mãe eram os piores possíveis. Não havia higiene nem escrúpulo. Os homens passavam em frente do "quarto" cortinado vestidos só de cuecas samba-canção. As mulheres de calcinha transparente e sutien idem. O fedor de urina, fezes, outras coisas inomináveis, impestavam o ar. E eu dava dinheiro para uma situação bem melhor.A minha mãe certamente o gastava com besteiras pois, a sua mente doente, não via valor em morar com dignidadde. Não me restava outra decisão.Teria que deixar a Renascença para viver com elas. Levá-las para lá era impensável. Já havíamos morado lá, num quarto de porão , quando eu tinha 5 anos. Não queria reviver aqueles tempos. As pessoas não esquecem. Por maldade ou ingenuidade podem se lembrar inconvenientemente. Resolvi alugar uma casa no bairro Pompéia e levá-las comigo para lá. A minha mãe não gostou da idéia.Preferia morar num cortiço, no centro, do que numa casa confortável no bairro. Com o dinheiro que o meu pai foi obrigado a depositar na justiça, ela comprou um barraco, humilde mas, habitável, no bairro Saudade, próximo à casa que eu estava alugando. Eu não queria morar no barraco. A minha mãe também. Por razões diferentes. O barracão exigia reformas. Não havia dinheiro para isto. Foi alugado por uma micharia, só para não ficar desabitado.E fomos morar no bairro Barro Preto. É um bairro central. Tem todos os requisitos necessários para um morador. Mas, sendo um bairro de gente rica, o que iria fazer lá uma trinca de pobretões?Ficamos deslocados. Mas, como há males que vem para bem, consegui um emprego na Cia. de Cigarros Souza Cruz para ganhar o dobro do que ganhava na Singer.Esta empresa ficava atrás da nossa morada.Como funcionário de uma multinacional passei a ser visto com simpatia pelos nossos visinhos. Não a minha mãe. Ela continuava com o seu recalque contra tudo e todos.Brigava com os visinhos injustamente. Eu, constatando isto, negava-lhe apoio nas suas desavenças. Ela me odiou por isto. Tudo fez para me desmoralizar até perante os meus superiores no emprego. Escrevia cartas anônimas e assinadas. Acusava-me de coisas horríveis. Fiz o concurso do Bco. do Brasil. Estudei feito um louco. Durante dias não tive lazer. Só estudava. Fiz as provas e fui sendo aprovado. Passei por todas as eliminatórias.Fiquei esperando , ansioso, o resultado.Que não vi.Esta pasagem é tão sórdida que abrirei um capítulo só para contá-la. Se passasse, eu planejava sair de casa. Iria seguir a minha vida sem esquecer a minha mãe e irmã. Pagaria tudo que elas gastassem para sobreviver mas, distante delas. Só soube das cartas quando o meu chefe me chamou e, aborrecido, perguntou: você tem certeza que esta senhora é sua mãe?
Percebi que ela tinha se superado na maldade. Perguntei qual era o conteúdo da carta e ele se recusou a dizer. "É melhor que você não saiba". Mas, nada mudou para pior. Muito pelo contrário. Passei a ser visto com mais simpatia e respeito. Porém, politicamente, eu era a favor das reformas de base que o Presidente Jango anunciava. Senti que um golpe estava sendo armado e que talvez haveria luta armada. Em 1961, após a renúncia do Jãnio, em quem havia votado para presidente , aderi o movimento legalista e apoei o Governador Brizola. Fui às ruas com um grupo de amigos. Juntei-me ao povo em protesto contra o golpe. Jango tomou posse como presidente parlamentarista. Apoei depois o retorno do presidencialismo. As reformas são vistas hoje como inadiáveis.Naquele tempo era papo de comunista. Eu nem sabia o que é isto. Estudei o marxismo e simpatizei com a doutrina. Entrei para o Sindicato dos Fumageiros. Era quase uma exigência legal. Quem quisesse aumento de salários e tratamento dígno no local de trabalho tinha que ser sindicalista. Ou aceitar passivamente a injustiça. Nunca aceitei nada passivamente. Quando veio o golpe militar eu estava muito bem na Companhia. Estava sendo preparado para uma promoção muito boa. Não levavam a sério o fato de eu ser sindicalizado. Todos os empregados nos EUA o eram.Os patrões até gostavam de ter um sindicato de empregados para negociar. No sindicato eu era estimado também. Os operários me viam com muita simpatia. Como eu era um moderado isto era bem visto até. Sempre fui um comunista de pés no chão. Contrário a qualquer aventura "porralouca". Luta armada só em último caso. Em 1961 era quase um último caso. Em 1964 parecia que não era. E era. Veio o golpe. Muitos companheiros presos. Fiquei cabreiro. Quando chegará a minha hora? E minha situação piorou muito depois que a minha própria mãe escreveu uma carta me denunciando como comunista e janguista. Fui chamado pela gerência. Disseram-me que sabiam das minhas simpatias mas, tinham certeza de que eu não era um subversivo. Tinha idéias e tão somente. Concordei. Disseram-me que, diante da carta que receberam, haviam autoridades do novo governo querendo a minha cabeça. Mas, resolveriam tudo. Bastava que eu escrevesse uma carta desmetindo .Naquela época alguns fizeram isto. As suas cartas foram usadas para justificar o recrudescimento do regime. Eu perderia tudo, mas não escreveria. Os meus chefes, lamentando muito, me despediram. Sai e para que os compromissos da casa ficassem inabalados , fui à luta e comecei a ser viajante vendedor autônomo. Depois , trabalhei em laboratórios, até entrar para um grande: PFIZER. Ganharia o dobro do que ganhava na Souza Cruz. Aí fiquei doze anos. Até que fosse aposentado por invalidez. Mas, esta é uma outra história.

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