domingo, 23 de agosto de 2009

O tal de mar.

Aquela mahã ia ser muito especial. Fizemos o desdejum farto e gostoso que os nossos amigos idosos capichabas nos ofereceram e tomamos assento nos ônibus. Íamos à práia. Idosos de quase cem anos, finalmente, iam conhecer "o tal de mar". Senti,pelas suas fisionomias, um misto de alegria e medo. Perguntaram-me não seria perigoso de afogar. Alertei-lhes que,se não fizessem nehuma "arte", tudo iria correr muito bem. Os nossos anfitriães cuidariam de me ajudar nesta arriscada tarefa. O que mais temia era a pressão sanguínea e o diabete. Estávamos preparados mas, para quem nunca tinha ido à praia era arriscado ,sendo pessoas tão idosas. Fomos para Vitória. As praias de Vila Velha são lindas mas , perigosas naqueles dias. Escolheram para nós uma bem tranquila. Quando decemos dos ônibus, os que conheciam já vestiam os seus maiôs e calções de banho. Era minoria. A maioria estava estática, entre maravilhada e receosa. Não os forcei. Esperei que decidissem por si mesmos o momento de se aproximar daquela maravilha da natureza. Lembrei-me da minha primeira vez. Eu já tinha 28 anos quando conheci o mar. A emoção foi inesquecível. Também tive medo e fui bem devagarinho, como a tomar uma sopa pelas beiradas para não queimar a boca. A diferença, é que eu era jovem eaté podia aguentar as queimaduras de segundo gráu, de soltar a pele, como suportei. E os idosos? Eu tinha que voltar com todos vivos e saudáveis. Fui chamado de louco e até irresponsável por tão arriscada aventura. Eu sempre corri os riscos para tentar alcançar a felicidade. Joguei, ganhei e perdi. Assim deve ser a vida. Comecei levando uns sustos quando vi alguns pulando na água. Pedi-lhes cuidado e eles me responderam que o mar é feito de água,como os rios e as lagoas. Alertei-0s sobre o perigo das ondas. Na verdade, o mar estava bem calmo . As ondas eram pequenas. Os amigos capichabas disseram-me que eu poderia ficar tranquilo. Eles estavam ali para ajudar-me. De repente, veio a minha mulher e perguntou pelo sr. Quirino, o mais idoso de todos. Cheguei a pensar que ele teria ficado emVila Velha, na Associação, com medo do mar. Ora, o sr. Quirino era o primeiro que chegava nos forrós semanais e o último que saia. O penúltimo, o último era eu. Nunca faltou a nenhuma viagem que fizemos pelas redondezas. Jamais me deu o menor trabalho. Seguia o regulamento como eu queria, como presidente, à risca. Então, onde estava o sr . Quirino? Olhei para o mar e senti um nó na garganta. Teria ele se afoitado? E se afogado? Deus me livre! Nem pensar! Orgnizei grupos de procura para cada direção. Logo, porém, a minha mulher veio rindo, aliviada, dizendo que encontrara o sr. Quirino esondido atrás da palmeira. Não estava com medo do mar. Não tinha calção!Logo , um calção apareceu. Levaram o sr. Qirino para o ônibus vasio e ele se vestiu. Veio para o mar sorrindo. Na boca, nem um dente mais. Mas, ele sorria assim mesmo. Quantos , trabalhadores como ele na roça, tinha um dente na boca? Jovens ainda já perdiam todos. Dentadura? Coisa de rico. O sr. Quirino foi cercado por nossos amigos que garantiram-me que iriam cuidar dele. Vi-o , pouco tempo depois, feliz como uma criança , brincando com as ondas que quebravam na areia. Vieram então outros idosos perguntar se eu conseguiria roupas de banho para todos. Eram muitos. A maioria. Perguntei-me como não havia pensado nisto? Virei-me então para os homens e lhes disse:
-Tirem a camisa, dobrem as calças. Fiquem sem calçado. E divirtam-se!
-Mas, nós só temos esta roupa de passear. E se ficar molhada?
-Com um solão deste, em minutos estarão secos de novo.
-Mas nóis num vai tirá os vestido, sô Paulo.
-E precisa? Entra com vestido e tudo!
Antes de terminar de falar , já tinha mulher dentro d'água. Todos nós voltamos a ser crianças. Nunca me diverti tanto! Ria com os risos de felicidade deles. O tempo foi passando e percebi que o sol de meio-dia vinha ameaçador. Fui até eles e expliquei que , dali para frente, todos deveriam ter cautela e procurar a sombra das árvores. Obedeceram como alunos meninos ao professor. Tínhamos um almoço programado para as duas horas da tarde. Eram onze. Sai com alguns idosos para um passeio pela orla. Quando chegamos à ponta dela, havia uma estátua de Yemanjá. Peguntaram-me quem era. Respondi-lhes que, para os seguidores da umbanda, era equivalente à Nossa Senhora. Disse-o e fui seguindo no passeio. Percebi que eles não estavam comigo. Quando olhei para trás, ví-os todos ajoelhados aos pés de Yemanjá. Corri para explicar mas, conclui que não adiantaria. Se é igual à Nossa Senhora, tinham que ajoelhar e rezar. Os transeuntes ficavam olhando , entre surpresos e curiosos, a quele grupo de velhos rezando a Ave-Maria para Yemanjá. Fiquei emocionado outra vez.Tão simples!
Voltamos para a Associação dos amigos e lá fomos recepcionados com um lauto almoço com muquecas de peixe simplesmente deliciosas. O forró já estava armado . Era só acabar de almoçar e cair no arrasta-pé. E assim foi. À tardezinha um lanche maravilhoso. Aliás , os três dias em Vila Velha estarão para sempre na memória dos espíritos encarnados e desencarnados daqueles idosos. Voltamos, depois de abraçarmos e comevê-los cantando músicas de adeus e agradecimento. Aqueles amigos capichabas estarão presentes no meu coração enquanto eu viver e até depois. Chegamos , exaustos e felizes, a Reduto e Manhuaçu.

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