domingo, 23 de agosto de 2009

Estranho futebol

Conheci o futebol, como todas as crianças do meu tempo, nos terrenos baldios onde com a molecada jogava as saudosas peladas. O dono da bola tinha lugar assegurado no time e no jogo. Ele e o líder , no par ou impar, escolhia quem jogaria com quem. Eu nunca fui um dos primeiros escolhidos. Também nunca fiquei entre os últimos. O problema era que , quando garoto, era raro não ser excluido da pelada porque eu tinha pavio curto. Um pisão, um empurrão, uma rasteira e pronto: era porrada para todo lado. Apanhava de dar dó, mas batia também. Às vezes apanhava mais, batia menos. Ou vice-versa. Mas, briga de criança, mesmo que corra sangue, não dura até a próxima pelada. Vinha outra, e lá estava eu e o desafeto, ou os, mais amigos do que nunca. Nos domingos íamos para os campos de várzea, sem bilheterias ou arquibancadas. Não havia conforto mas, era grátis. Lembro-me de um, na Renascença, de propriedade do Continental F.C., que ficava no alto do morro. De vez em quando ou a bola ou um jogador, rolava pirandeira abaixo. Lembro-me de um amigo, Geraldo Venâncio, que conseguiu ser titular, apesar de ainda garotão, por ter muita valentia. A bola passava, o jogador não. Levava uma pernada de arrebentar. A torcida rude e pobre, queria ver sangue. Se o adversário rolava pelo campo a gritar de dor era motivo de satisfação. O agressor era o herói.
Quando eu vejo hoje jogadores profissionais gemerem e chorarem por causa de um esbarrão, volto àqueles tempos.Futebol é prá homem! A torcida gritava exigindo mais troculência. Fui crescendo e , ficando rapaz, passei a integrar alguns destes times. Cheguei, junto com o Modestino e o Geraldo Venâncio a criar um: Novo Horizonte Futebol Clube. Escolhemos a cor da camisa:vermelha. O calção seria branco. Meias vermelhas. O escudo mostrava um sol por trás de uma montanha. Nascente, poente? Ficava ao critério do torcedor. Suponho que, até hoje ,na antiga Vila Ipiranga, ainda existe e até muito mais forte e organizado. Será que eles, os atuais diretores, sabem que foram três adolescentes que, sentados na rua Tefé, Renascença , tiveram esta idéia e a puseram em prática? Não tínhamos sede. A casa do Modestino era a sede. Muito legal. A família dele era algo de espetacular. Gente muito boa! Nos tratavam com paciência e carinho.Até lavavam nossos uniformes! Nem todos tinham chuteiras. Havia quem não tinha o quédes. Jogava descalço. Dá para imaginar? Chuteiras antigas, couro duro, travas ferinas, e o cara descalço! E preferia jogar assim! Destes campos sairam jogadores que conquistaram o mundo! Garrincha adorava os jogos de várzea de Páu Duro. Chegava a fugir das concentrações para jogar na sua terra, num campo sem grama. Iam atrás dele e não era fácil convencê-lo a cumprir o contrato profissional. Oito filhas para criar era o único argumento convicente. E ele , com Pelé e cia. nos trouxe a primeira Copa do Mundo! E dando um show! Contam que Feola, em um dos jogos que a seleção fez na Europa para faturar, depois de ficar rouco chingando o Mané, jurou que ele ia ficar na reserva. Havia o Julinho , craque do Palmeiras, ajuizado, compenetrado, responsável, para ocupar a ponta direita. Prá que Garrincha? E ele era louco! Contam que ele driblou toda a defesa de um time italiano , incluindo o goleiro e, quando, com o gol vazio, todos achavam que ia estufar a rede, ele voltou driblando os gringos até que, cansado, entregou a bola. O Feola ficou possesso! Aconteceu mesmo? Bem, a imprensa, naquela época, pelas dificuldades imensas que enfrentava, costumava inventar. Naquele tempo, ficávamos sabendo sobre o que acontecia na Europa muito tempo depois, até três dias a uma semana. Neste período, criava-se algumas fantasias para agradar o leitor. Mas, há quem diz que viu e jura que é verdade. Não dava para duvidar. O que o Garrincha fazia com os marcadores no Maracanã era humilhante. Eu tive a sorte de vê-lo jogar algumas vezes. Certo jogo, o meu galo estava vencendo o Botafogo, ao final do primeiro tempo, por 4x0. Todos nós, do galo, começamos a gritar: Cadê o Garrrincha! Cadê o Garrincha! Meu Deus, por que não ficamos de bico fechado?! No segundo tempo ele voltou endiabrado. Fez gol, mastigou para outro fazer, desmoralizou a defesa do Atlético com fintas e dribles. E quanto mais violentos , mais desmoralizados ficavam. Garrincha também acreditava que futebol era para homem. Com H.
Hoje, que jogadores são estes? Dizem que sãomprofissionais. São. Ganham dinheiro, muito mais que o Garrincha, e , que lástima! No próximo , vou falar sobre os novos tempos do futebol.

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