segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Estradas brasileiras

Fui viajante durante muitos anos. Quando era um menor de idade, sai pelo interior vendendo coisas. Vendi livros didáticos. Lembro-me de uma coleção de três livros muito interessantes porque vinham com o método de ensino, plano escolar e de aulas. As professoras não teriam trabalho pra preparar as aulas. Elas já vinham prontinhas. Naquele tempo, década de cinquenta, o ensino não havia ainda sofrido as modificações que hoje sucitam polêmicas quanto a questão da melhora ou piora do ensino. Como a miséria ainda era bem maior que a de hoje, os professores passavam os "pontos" no quadro negro e a infeliz criançada tinha que ficar esperta e copiar antes que a aula chegasse ao fim. Livros escolares eram um luxo reservado para os colégios dos mais favorecidos. Visitei, na esperança de vender as coleções, muitas escolas. A forma que eu servia chamava-se "Difusão Panamericana de Livros". Saia para a viagem sem dinheiro sequer para me alimentar. Para dormir então... Com o dinheiro do pagamento do primeiro livro-os outros dois viriam em dois meses, um para cada um- é que eu comia e me hospedava num hotel barato. Mas, vendi muito. Sempre tive um grande talento para vendas. As moças que podiam pagar , compravam ansiosas. Mesmo que os outros dois não viessem, aquele primeiro ajudava muito às professoras iniciantes. Mas , vinham. Não havia ainda esta malandragem de hoje. As mais pobres eu via chorando por não poderem adquiri-los. Quando vendia muito, eu sacrificava parte da minha comissão presenteando-as com o livro inicial. Ficavam tão felizes! São, até hoje, grandes heroinas estas professoras primárias. Muitas, de seu parco salário, tiravam para alimentar alunos que, de fome, desmaiavam na classe. Às vezes, tinha que encaminhá-los com urgência aos médicos ou curandeiros do lugar para salvar a vida daqueles pequenos infelizes atacados pela verminose que assola e assolava ainda mais o nosso interior, especialmente a zona rural. Tênias, Áscaris, oxiurus, parasitas como carrapatos ou "bichos -do-pé"atormentavam tanto os alunos que a evasão escolar era enorme. Muitas vezes , porque aqueles garotos eram arrimos de família e labutavam na roça para alimentarem pais doentes e irmãos menores. E as escolas? Eu vi crianças estudando ao relento, sob telhados de sapé, paredes de páu-a-pique onde os barbeiros, causadores do mal de Chagas proliferam. Via-os sentados no chão , pálidos e barrigudos, felizes por aprenderem o beabá. Os políticos da região sabiam que eles não iriam longe. E isto era bom. Não podiam ficar sem aquela mão de obra em suas fazendas, barata e servil. Os donos do lugar, se não eram políticos por não gostarem, escolhiam um que lhes serviria fielmente.Esta foi uma das mais tocantes experiências de um vendedor de quarenta anos de profissão. Tenho muitas histórias para contar. Umas até divertidas. Aqueles que estão acompanhando os meus blogs vão conhecer a história deste brasileiro de setenta anos de idade.

Um comentário:

  1. Vc deve ter histórias bem interessantes pra contar! Essa vou mostrar para meu filho de 12 anos, e bom ouvir pessoas mais experientes a vida e a melhor escola.Gostei muito continue escrevendo.

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